Hemocentro oferece atendimento multidisciplinar a pacientes e entrega medicamentos em casa
Desde que o tratamento preventivo para pacientes com hemofilia grave foi instituído no Sistema Único de Saúde (SUS), há cerca de seis anos, o medo de sofrer um sangramento ou alguma complicação relacionada a ele já não aflige mais os portadores da doença. “A profilaxia trouxe qualidade de vida para os pacientes. As crianças têm mais liberdade e os pais, mais segurança para lidar com a hemofilia”, destaca o diretor-executivo da Fundação Hemocentro de Brasília, Jorge Vaz.
A hemofilia é uma doença congênita que afeta a capacidade de coagulação sanguínea e atinge principalmente os homens. Os sintomas mais comuns são sangramentos em músculos e articulações e manchas roxas. Segundo o Ministério da Saúde, quase 26 mil pessoas sofrem de alguma coagulopatia (doença hemorrágica) no Brasil, sendo 12.516 delas com hemofilia. Em 2018, a pasta deve gastar R$ 1,2 bilhão com a aquisição de pró-coagulantes.
“O sangramento nas articulações pode causar deformidades, pois o ferro contido no sangue inflama a membrana em volta da articulação, causando um processo crônico com ressangramentos. Isso prejudica as cartilagens e até corrói o osso”, explica a hematopediatra Melina Belintani Swain, gerente de ambulatórios do Hemocentro. “Essa situação melhorou com a profilaxia. Antes, o paciente tratava só depois de sangrar, e nem sempre havia remédio para tudo. Hoje não, ele tem medicamento para prevenir o sangramento”, completa.
A prevenção ou profilaxia é feita por meio do uso regular dos fatores de coagulação, responsáveis por manter o organismo do paciente estável. No corpo humano, há 13 fatores de coagulação. A hemofilia é um dos distúrbios mais comuns e se subdivide em tipo A, que é mais recorrente e consiste na deficiência do fator VIII, e tipo B, relacionada à falta do fator IX. De acordo com a médica especialista, cerca de 70% dos casos têm origem familiar, permitindo o diagnóstico precoce. Quando não há histórico na família, a mutação genética ocorre durante a gestação, não herdada dos pais, chamada de mutação de novo. Sem ocorrências entre os parentes, pode demorar mais para a doença ser diagnosticada.
Desde 2012, os mais de 500 pacientes com doenças hemorrágicas no Distrito Federal – metade deles, hemofílicos – são atendidos no ambulatório do Hemocentro de Brasília, que dispõe de uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, farmacêuticos, odontóloga, assistente social e psicóloga. Além disso, os residentes no DF recebem o fator de coagulação em casa gratuitamente.
Talisson de Sousa, 30, descobriu que tinha hemofilia aos 13 anos, devido a um sangramento na barriga. “Fiquei chateado porque eu não podia mais jogar bola, correr”, comenta. Naquela época, o fator de coagulação era administrado apenas quando o paciente sofria uma hemorragia. Com isso, alguns sangramentos só eram notados tardiamente, quando outros problemas acometiam o paciente.
Devido à falta da profilaxia, Sousa desenvolveu artropatia no tornozelo e no joelho, mas nem isso, nem a hemofilia o impedem de frequentar a academia e fazer musculação. “Se eu pudesse, iria todo dia”, diverte-se. Para realizar a atividade física, além do uso preventivo do fator de coagulação, ele teve o aval da equipe multiprofissional do Hemocentro. “O fisioterapeuta fez um documento para eu levar à academia, explicando minha condição”, conta.
O servidor público Marcos Alexandre Bauch, 36, é conhecido por sua experiência de vida com a hemofilia e os esportes, principalmente a natação. Bauch já participou de competições e travessias aquáticas, além de ter pulado de paraquedas e bungee jump. Devido à artropatia nos joelhos e cotovelos, causada pela falta de profilaxia, ele usa muletas que o ajudam a se locomover.
Paciente do Hemocentro de Brasília desde o início das atividades do ambulatório, Bauch considera que a qualidade do atendimento na unidade é um diferencial para tratamento de coagulopatias e alcança os familiares do paciente. “A equipe do ambulatório não te trata como apenas mais um número, ela te trata como um paciente que tem uma vida além da doença. Quando o hemofílico está bem tratado, bem assessorado, a família também sente essa melhora na qualidade de vida”, ressalta.
A disciplina é fundamental para para que o tratamento preventivo surta efeito. O paciente tem de administrar o fator de coagulação no horário certo e fazer o acompanhamento regular de sua saúde. Na equipe do ambulatório, cada especialidade age para contribuir com a adesão ao tratamento.
No consultório de psicologia, a dificuldade do paciente em aderir ao tratamento ou aceitar o diagnóstico é analisada por outros ângulos. Observam-se questões pessoais e a dinâmica familiar, principalmente quando o paciente é criança. “Por mais que eu esteja aqui para atender pessoas com coagulopatias, nosso trabalho não foca apenas a doença, é mais abrangente. Às vezes, o paciente tem outras demandas pessoais que também interferem em seu tratamento”, pondera a psicóloga do Hemocentro, Júlia Schirmer.
A fisioterapia trabalha o fortalecimento da musculatura, para não ocorrer sangramentos. A enfermagem orienta como fazer a assepsia e a infusão do fator. Já a farmácia instrui sobre o armazenamento e o descarte dos frascos e das agulhas usadas para infundir o fator. O Hemocentro fornece os insumos, como garrote e caixa coletora de perfurocortantes, além de recolher os resíduos hospitalares.
As orientações sobre a infusão do fator tranquilizaram Gislaine Pedrosa, que descobriu a hemofilia do filho, Davi, quando ele tinha 8 meses. “Eu disse que nunca aplicaria fator; hoje, faço três vezes por semana no Davi. Meu marido também aplica”, diz. Ela enfatiza que, diferentemente dos casos de hemofilia na família, nos quais as consequências foram mais graves, “Davi nunca teve sangramento ou inchaço nas articulações. Ele tem uma vida normal, faz a profilaxia e não chora”, comemora.
A gerente de ambulatórios do Hemocentro, Melina Swain, esclarece que o paciente com coagulopatia precisa fazer, pelo menos uma vez ao ano, exames de pesquisa de inibidor e sorologia, para acompanhar como o organismo está reagindo às medicações. O Hemocentro conta com um laboratório de farmacocinética que faz esse tipo de análise. A hematopediatra destaca também ser importante o paciente fazer consultas de rotina – uma ou duas vezes por ano – nas demais especialidades oferecidas no ambulatório, para não descuidar da saúde.
Para Melina, o clima organizacional e o interesse dos servidores refletem na qualidade do atendimento prestado ao paciente. “Nossa equipe é muito unida e muito dedicada, com muito diálogo. A maioria dos servidores trabalha no ambulatório desde sua criação e busca se especializar na área”, frisa a médica.
Os pacientes com coagulopatia que fazem o acompanhamento no Hemocentro ainda podem receber o fator de coagulação em casa. É o caso de Maria Alcina de Oliveira, que optou pela entrega domiciliar assim que o serviço começou a ser prestado pelo Hemocentro, há mais de cinco anos.
“É uma ‘mão na roda’. Eu sei o quanto sofri para pegar [o fator] no Hospital de Apoio, ainda mais que eu tinha de pegar dois ônibus, levar meu filho no colo e uma caixa de isopor enorme”, lembra. Antes da criação do ambulatório do Hemocentro, em 2012, os pacientes com coagulopatia eram atendidos no Hospital de Apoio.
O filho de Alcina, Pedro, hoje com 15 anos, recebeu o diagnóstico de hemofilia aos quatro meses de idade, apesar de não ter histórico da doença na família. A mãe suspeitou das manchas roxas no filho, então com três meses, e procurou atendimento. Graças à profilaxia, Pedro não teve sequelas ou complicações relacionadas a sangramentos.
A entrega domiciliar é feita em um veículo com refrigeração exclusiva para a medicação. Um servidor do Hemocentro acompanha o transporte e confere lote e validade de todas as caixas de fator de coagulação na farmácia da instituição e no momento da entrega. Para cada paciente, há uma ficha de controle em que se registram os lotes recebidos e devolvidos após o uso.
Na residência, verifica-se se o fator ainda disponível está dentro da validade e se há insumos em quantidade suficiente para a infusão. O lixo hospitalar – frascos de medicação e caixa com perfurocortantes – também são recolhidos para terem a destinação correta.
Apesar da profilaxia, uma preocupação recorrente entre os portadores de coagulopatias é uma situação de emergência, como um acidente de trânsito ou um ferimento. Segundo a gerente de ambulatórios do Hemocentro, existe um trabalho de informação e educação continuada em todos os hospitais da rede pública do DF.
“O Hemocentro capacita médicos e enfermeiros para atuar quando houver uma emergência com um paciente com coagulopatia”, explica Melina Belintani Swain. Os profissionais de saúde podem procurar os núcleos de educação continuada para solicitar a capacitação. Além disso, alguns hospitais contam com estoque estratégico de fator para casos de urgência.
As unidades selecionadas – Hospital de Base, Materno Infantil (HMIB), hospitais regionais de Sobradinho, Planaltina, Taguatinga e do Gama – para ter fatores de coagulação para emergências foram selecionadas de acordo com uma análise geográfica que identificou as localidades com maior concentração de pacientes.
Para ser tratado no ambulatório de coagulopatias da Fundação Hemocentro de Brasília, o paciente precisa de encaminhamento médico. O atendimento no ambulatório ocorre de segunda a sexta-feira (exceto feriados), das 7h às 18h. Outras informações pelo telefone (61) 3327-1671.
O Hemocentro fica no Setor Médico Hospitalar Norte, quadra 3, próximo ao HRAN e à Fepecs. Clique aqui para ver no mapa.
FHB
Setor Médico Hospitalar Norte, quadra 3, conjunto A, bloco 3. Asa Norte, Brasília-DF. CEP: 70.710-908.